Por: Fred Di Giacomo*
Phil Anselmo (ex-vocalista do Pantera) fez uma saudação nazi e chocou o mundo gerando uma série de discussões sobre o heavy metal ser ou não um gênero musical reaça. Me lembrou de uma entrevista do Seu Jorge que dizia que “rock não é um gênero pro negro”. Lembro que depois dessa entrevista, muitos brancos quiseram ensinar pro negro Seu Jorge como o rock havia sido criado por negros como Chuck Berry e Little Richard e eletrificado pelo negro Jimi Hendrix. Teve até gente que desenterrou a única grande banda de hardcore negra (Bad Brains) e os roqueiros do Living Colour para ensinar ao Seu Jorge o que ele seria incapaz de aprender com a experiência.
Eles estavam errados, claro, mas eu também estive a maior parte da minha vida.
Phil Anselmo vocalista da banda de heavy metal Pantera faz saudação nazi e grita “White Power”
Minha primeira resistência a esse pensamento foi o contato com o rap. Meus amigos roqueiros , mesmo os que moravam na quebrada, achavam Racionais uma merda. Eu achava foda. E ouvia, também, Planet Hemp, Sabotage, Thaíde e Dj Hum, Câmbio Negro, De Menos Crime, etc. Vendo que tipo de colega ouvia cada coisa, rap era som de preto e rock de branco. Quando os Racionais sacanearam o Guns e o Barão em “Qual mentira vou acreditar” a coisa ficou mais explícita.
Chico Science & Nação Zumbi ajudaram a resgatar a negritude no pop nacional
O pop nacional dos anos 60/70 tinha um pouco mais de “diversidade”
Minha tese aqui é de como o rock nacional dos anos 80 deixou a música brasileira mais “branca” e “careta” (não que todo roqueiro é nazista, he, he, he). Acho que foi um processo que rolou na indústria cultural de uma forma geral, não só na música. Quem questionar esse ponto, por favor, liste 10 frontmans de bandas nacionais de repercussão dos anos 80 que eram negros ou nordestinos. Escrevo isso como alguém que ainda se considera um “roqueiro”. Que ama bandas, discos e clipes de rock. E que sabe que nos anos 90 a coisa ficou mais diversificada por aqui. (Se você pegar os anos 80 inteiros só vai encontrar o Renato Rocha, baixista da Legião, e o Clemente, vocalista do Inocentes, de negros no rock. Nos 90, tem a galera da Nação Zumbi, Planet, Rappa, Gangrena Gasosa, Funk Fuckers, Devotos, etc.) Os ritmos nacionais foram reabilitados pela geração 90, mas não dá pra negar que, hoje, o “roqueiro true” é um tiozinho trancado em seu mundinho, acreditando que só aqueles 4 acordes (ou, ok, 367 acordes, no caso do Dream Theater) são bons. Se isso é ruim quando vemos a polêmica em volta do vocalista do Pantera, no caso do Brasil é patético. Estamos idolatrando pastiche ruim de coisas que foram relevantes lá fora anos atrás. Se eu tivesse que escolher entre NXZero e Tim Maia, Tihuana e Racionais ou Jorge Ben e Capital Inicial, nem preciso dizer de que lado ficaria, né?
Clemente (liderando os Inocentes), um dos poucos negros do rock nacional dos anos 80.
Amo meus discos, amo o punk rock, faço meu filho dormir ouvindo Sepultura, mas não posso negar que Seu Jorge estava certo e que os críticos de Phil Anselmo estão certos. O rock se tornou um senhor branco, arrogante, machista, conservador e bunda mole. E, no Brasil, a partir dos anos 80, ele ajudou a nos fazer ter vergonha da nossa cultura, dos nossos cabelos e dos nossos sotaques. Rock é legal, mas não é a música das “elites intelectuais do mundo” como gostaríamos de acreditar. E além do seu cercadinho de solos distorcidos e roupas pretas, existe uma tonelada de cultura e diversidade para ser escutada e descoberta.
P.S.2: Amiguinho, antes de deixar seu comentário falando que isso só aconteceu com o autor deste texto, que os exemplos são absurdos, que eu só conheço Offspring e Legião Urbana — e por isso sou uma besta - leiam os links abaixo, pensem um pouco e respirem:
- “Até com o Derrick, negão, tenho certeza absoluta que tem muita porta que se fecha por causa disso, mas eu acho que não é só na música, é em qualquer lugar.”, Andreas Kisser, Sepultura
- “O rock não é um gênero pro negro”, Seu Jorge
- Nasi, do Ira!, confessa que “Pobre Paulista” é uma música racista
- Afropunk: documentário sobre punk rock, racismo e os negros na cultura hc.
- Hip Hop vs Rock: “Elvis was a hero to most/But he never meant shit to me you see/
- Straight up racist that sucker was”, Public Enemy, uma das maiores bandas de rap do mundo
P.S. 4: Vários ˜roqueiros˜ me pediram o “currículo” para escrever sobre o assunto, acho meio bobo essa coisa de “quem é esse ser que nunca ouviu nada e quer falar algo”, mas, ok, aí vai, é até divertido lembrar essa história toda:
* Fred Di Giacomo é escritor e jornalista multimídia. Começou sua carreira editando o fanzine Afrociberdeli@, aos 13 anos de idade, inspirado em bandas como Chico Science e Nação Zumbi, Planet Hemp, Racionais, Karnak, mundo livre s/a e Câmbio Negro. Gostava de literatura marginal, rap, rock nacional e música brasileira (todos exemplos citados no texto). Descobriu o punk rock (Devotos, RDP, Cólera, Restos de Nada, Restos, Menstruação Anarquika, Dead Kennedys, Crass, Sin Dios, Mukeka Di Rato, Invasores de Cérebro, Replicantes, Fugazi, Strike Anywhere, Ska-P, Inocentes, Street Bulldogs, etc, etc,etc) pouco depois e passou a ajudar a criar a cena de sua pequena cidade, Penápolis, organizando festivais com bandas de metal, punk e rock de toda região (Birigui, Rio Preto, Araçatuba, Auriflama) tocando baixo em grupos como Praga de Mãe e Andarilhos, editando fanzines (Ira! e Kaos) e apresentando o único programa de rock da cidade. Nessa época, tocou em todos buracos possíveis rodando as várias vilas da periferia da cidade: na rua, em escolas públicas e particulares, em centro culturais anarcopunks, em festivais e na casa de amigos, etc. Além de punk, gostava de metal, especialmente bandas ligadas ao thrash e crossover (Sepultura, Krisiun, Brujeria, Slayer, Korzus, etc). Aprovado em jornalismo na Unesp, mudou para Bauru onde começou a misturar punk com música popular (Roberto Carlos, Reginaldo Rossi, Lindomar Castilho, etc) inspirado no punk brega de Wander Wildner e passou a ouvir outros estilos (indie rock, mais música brasileira, rap, funk soul, etc). Nessa época, entrevistou Arnaldo Baptista (Mutantes), Nação Zumbi, João Gordo, Dead Fish, Garotos Podres, Nelson Triunfo, Forgotten Boys e Wander Wildner para o site do zine Kaos! Migrou para São Paulo para trabalhar como jornalista nos sites das revistas Mundo Estranho e Bizz (principal revista de música no Brasil dos anos 80 e 90, focada em rock). Foi editor de diversos sites como Superinteressante e Guia do Estudante, onde ganhou prêmios internacionais por seus trabalhos com infográficos e newsgames (jogos jornalísticos), que viraram artigo no site do Niemans Lab de Harvard. Em SP, tocou na banda Milhouse (que acrescentava ao punk brega influências de Beatles e Jorge Ben) até 2011 rodando o interior de São Paulo (Ribeirão Preto, Bauru, Penápolis) e capital onde se apresentou em lugares como Espaço Impróprio, Outs, Hangar 110 e diversos festivais do site Zona Punk; além de botecos, festas de estudantes, festivais independentes, etc. Em 2013, pediu demissão do seu emprego e criou o Glück Project — uma investigação sobre a felicidade que questiona a forma como vivemos em uma sociedade consumista e infeliz. Sempre escreveu ficção, contos e poesias publicados em zines, sites independentes e, agora, livros. Acredita que livros salvam vidas e vive de escrever. É autor de “Canções para ninar adultos” (lançado, em 2012, pela Editora Patuá uma das mais ativas editoras independentes do país) e “Haicais Animais”. Hoje, tem uma banda que mistura tudo isso que foi citado (música brasileira, punk, samba, rap, bossa, indie, folk e o que vier). Tem uma caralhada de ficção postada aqui no Medium.
Fonte: Portal Medium
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