Por mais que algumas pessoas digam que as mulheres já conquistaram
todos os direitos, não é isso que os dados mostram. De acordo com os
dados recém divulgados do Censo 2010
do IBGE, há no Brasil 3.941.819 milhões de mulheres a mais que homens.
Um número que impressiona. Para cada grupo de 100 mulheres existem 96
homens. Mesmo sendo maioria na população as mulheres lidam diariamente
com a violência, a desigualdade nas relações, o medo, a insegurança e a
falta de liberdade. As zonas de sombra que atravessam as vidas das
mulheres são o principal assunto do
Livro negro da condição das mulheres,
um calhamaço de 822 páginas de texto com o objetivo de falar
abertamente sobre as injustiças que afligem as mulheres no mundo de
hoje.
O livro é uma publicação francesa, composto por 56 artigos e divido
em cinco partes: segurança, integridade, liberdade, dignidade e
igualdade. O objetivo é ser abrangente, mas a maioria dos artigos trata
da realidade de países africanos, árabes e asiáticos quando o assunto é
violação de direitos humanos, e da Europa quando trata de relações de
gênero igualitárias. O continente americano só tem destaque devido aos
casos de feminicídio no México e Guatemala, além da política de George
W. Bush. Entre os assuntos mais abordados estão: mutilação genital,
casamento forçado, violência doméstica, infanticídio feminino,
exploração sexual, crimes de guerra, tráfico humano e feminicídio. Por
mais que tudo pareça extremamente triste e longe de um fim, a mensagem
final é de que há esperança, pois sempre há mulheres lutando e
conquistando novos espaços.
A organizadora Christine Ockrent e a coordenadora Sandrine Treiner
são jornalistas e escritoras. A maioria dos artigos, portanto, não tem
um teor acadêmico, possui mais estética de reportagem. Os artigos são
curtos, com uma média de 15 páginas. Isso evidencia a preocupação em
fazer um livro grande, mas de fácil acesso, um documento de denúncia das
condições desprezíveis e indignas com as quais muitas mulheres vivem.
Logo no prefácio avisam: não há religião ou costume que justifique o
assassinato, a mutilação, a tortura, o estupro ou a execução de uma
pessoa apenas por ela ser uma mulher. Não são puristas do etnicismo e
não aceitam a acusação de imperialismo cultural. A diversidade cultural
deve ser preservada, mas não ignorando os direitos humanos mais
elementares. O que deve prevalecer no final é a integridade e dignidade
da mulher.
Segurança é o tema da primeira parte do livro, um olhar sobre os
atentados à segurança das mulheres. O infanticídio de meninas em países
como Índia, Paquistão e China provocam um desequilíbrio social, mas
também ameaças econômicas, pois não há mulheres para aumentar os índices
populacionais. Quando sobrevivem, muitas meninas são exploradas por
meio do trabalho escravo ou da prostituição. O estupro é uma das grandes
armas de guerra. Porém, não é só o inimigo que as mulheres devem temer.
Dentro de suas casas, a maioria dos agressores está na própria família.
Em nome da honra, mulheres são mortas e evitam fazer denúncias. Há
várias reportagens sobre crimes de honra nos países mulçumanos e na
Europa. E dois textos sobre o assassinato em massa de mulheres em Ciudad
Juárez no México e na Guatemala.
A segunda parte foca na questão da integridade física das mulheres. O
corpo das mulheres é muitas vezes propriedade do pai, que passa para o
marido como uma transferência de bens. Em todos os continentes,
diariamente, mulheres são estupradas. Aos olhos de seus agressores, são
apenas objetos. E infelizmente, é no universo familiar e conjugal que as
mulheres mais correm perigo. Mutilações sexuais advindas de tradições
culturais ferem e decepam a sexualidade de milhares. A contaminação pelo
vírus HIV cresce, agravada pela pobreza, conflitos, prostituição e
violências sexuais.
A liberdade é o tema do terceiro capítulo. Na África, no mundo árabe,
na Ásia e em algumas comunidades as mulheres não têm liberdade para ir e
vir. Não podem escolher com quem casar ou decidir como querem viver
suas vidas. Não possuem direito a heranças e nem propriedades. O véu
torna-se símbolo de um debate muito maior. A liberdade de dispor do
próprio corpo mostra-se muitas vezes uma conquista frágil, especialmente
com o crescimento do conservadorismo político e cristão. Mesmo na
Europa, o direito ao aborto é muitas vezes contestado. Os direitos civis
das mulheres permanecem desrespeitados. Destaque nessa parte para duas
reportagens: as feministas no Irã e os jogos olímpicos islâmicos.
Pequenos símbolos de resistência e mudanças.
Na quarta parte, os textos tratam sobre dignidade, o direito
fundamental que define o mundo civilizado e o ser humano. O tráfico de
mulheres cresce mundialmente. O comércio é uma atividade extremamente
lucrativa, com bases na pobreza, no infortúnio e na ignorância de
pessoas excluídas socialmente. A prostituição e o turismo sexual
exploram crianças e adolescentes sem nenhuma lei. As adultas, quando
presas, enfrentam regimes carcerários cruéis e humilhantes. A questão da
prostituição é um dos temas mais discutidos do capítulo; há inclusive
descrições de debates na ONU sobre o tema. Não é uma questão simples,
mas o que está em jogo é a exploração sexual de mulheres.
Na última parte, o assunto principal é a igualdade dos sexos. O
direito ao voto, a representação política e condições iguais no mercado
de trabalho são conquistas que beneficiaram muitas mulheres. Porém, no
geral elas são mais pobres que os homens. E mesmo nos países ocidentais,
considerados modernos e cosmopolitas, a revolução continua inacabada.
Enquanto a dupla ou tripla jornada feminina existir, não há igualdade. A
mulher não pode ser a principal e única responsável pelos cuidados com o
lar, as crianças e os idosos. A igualdade dos sexos também é condição
primordial para o desenvolvimento econômico, social e pessoal. Destaque
para a reportagem “O microcrédito no mundo, uma ferramenta a serviço das
mulheres.”
O livro traz diversas estatísticas, depoimentos e reportagens
especiais que escancaram a situação difícil, perigosa e indigna em que
muitas mulheres vivem. Simplesmente nascer mulher é um fator de risco
constante em todo o mundo, além de ter um valor menor atribuído a seu
trabalho e baixa representatividade política.
Porém, sempre há focos de
resistência e desejo de mudança. Em 1999, a ONU decretou o dia 25 de
novembro como Dia Internacional Pelo Fim da Violência Contra a Mulher. A
data é uma homenagem às irmãs Mirabal,
que em 1960 foram perseguidas e assassinadas pela ditadura da República
Dominicana. Essa data existe para não esquecermos as injustiças
cometidas contra as mulheres. Assim como esse livro, é mais uma
ferramenta na luta por direitos humanos universais.
Fonte: Amálgama